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domingo, 29 de abril de 2012

Crônicas Universitárias (Parte VII)

VII


O “Malcheiroso”

malcheiro


O “malcheiroso”, já deixo claro, é um indivíduo. Um sujeito arrogante, mesquinho e metido a grande cidadão. O “malcheiroso” não possui escrúpulos, é maquiavélico, adora apontar os erros alheios e é, no mais educado vernáculo, chamado de pequenas fezes, um b... Não entendo como podem existir criaturas tão inconvenientes.
           Os “malcheirosos” se espalham por aí. Sempre estão presentes em salas de aula, em grupos de estudo, em palestras, enfim, todo evento em que é necessária uma apresentação formal. Engana-se quem pensa que eles, os “malcheirosos”, estão na plateia para absorver o conteúdo da tua palestra ou disciplina. Mas acerta quem afirma que são atentos, muito atentos.
            Preste atenção agora. Vou revelar o verdadeiro propósito dos “malcheirosos” onipresentes nos eventos acadêmicos: eles ficam camuflados entre a gente que prestigia o evento e fazem lá suas anotações. Chegada a sessão de perguntas, ou quando lhes é oportunizado fazê-las, eles sacam da sua folhinha e disparam. Não fazem questionamentos correlatos ao assunto abordado. Não tem duvidas por interesse ao tema. Eles buscam e apontam os erros gramaticais que encontram nas lâminas. Eles procuram engendrar questões intrincadas e complexas com o propósito de testar o palestrante ou professor. Eles são invejosos e querem encabular o apresentador. Eles são aborrecedores, são tais quais carangos que infestam o meio acadêmico.
Não estou de forma alguma incentivando o vernáculo indômito, a palavra incorreta, a má gramática. Estou desabafando sobre um tipo, sujeito muito incômodo, que perambula por aí exibindo sua marra especulativa, achando que é douto em todas as ciências, versado em várias literaturas e egocêntrico ao extremo.
Definitivamente, não me agradam seres com tal índole.
Mas o ser humano é confuso, não consegue educar sua racionalidade. O ser humano tem, sem dúvida, virtudes exímias, entretanto são os vícios inerentes a cada indivíduo que lhe estragam a personalidade. E a própria personalidade advém muito mais de um instinto, de uma fera interior, que de qualquer lampejo racional.
Os “malcheirosos” agem muito mais por instinto que racionalidade construtiva (aquela que nos faz questionar a natureza e a coerência dos resultados que ela nos fornece). São feras, esses “malcheirosos”, aniquiladoras do conhecimento mútuo que faz-se passar oralmente de geração em geração.
Os “malcheirosos” não são ávidos, curiosos, para desvendar mistérios da natureza. Eles querem verificar a qualificação do interlocutor; querem por a prova todos os ensinamentos que se lhes quer transmitir. Não com o nobre fim de enriquecer a experiência deles ou de seus colegas, todavia, para ridicularizar aquele que está tentando expor seu conhecimento acerca das ciências ou de como ela se aplica na investigação da natureza.
Chego à conclusão que a presença humana me incomoda. O ser humano, em sua racionalidade diáfana, acaba sucumbindo a sua própria arrogância, submetendo-se aos mandos da razão pífia que domina sua personalidade. Preferia, eu, o isolamento, a simplicidade do campo, a vida eremita. Talvez errando por alguma planície inabitada, repleta de um pampa verdejante e alguns cavalos selvagens ou contemplando as serranias cobertas de florestas virgens e cordilheiras alvas de neve. Longe de poluições, de automóveis ou qualquer tipo tecnológico, principalmente a máquina voraz de teclar: o computador.
Assim, totalmente integrado à natureza primordial, sem intervenção humana, poderia habitar uma palhoça de ramos silvestres, construída ao sopé de um monte. Dentro da qual, ao lado da lareira, nos invernos perenes desse lugar, poderia refletir em como eu me perdera dentro de mim mesmo. De como posso não encontrar mais a mim mesmo dentro do meu próprio ego. De como somos todos confusos e como sou, eu mesmo, tão complicado. Como pode tudo em mim ser tão complexo? Devera ser capricho da natureza, fazendo a mente tão complexamente intrincada quanto o resto? O resto, que nada mais é que uma carcaça que se arrasta pelo mundo, procurando a si mesmo em lugares que não se perdera?
No fim das contas, somos zumbis em busca da felicidade que nos deixou ainda em vida, tal alma que deixa o defunto. Cada um de nós é, às vezes, hipocritamente “malcheiroso”. Não flagramo-nos de nossa própria inconveniência, não admitimos nossa própria ignorância, não somos nada além de humanamente falhos em nossos atos racionais.

Nada que um bom banho de consciência não resolva.





Marcius Andrei Ullmann

20 de abril de 2012

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