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quinta-feira, 31 de maio de 2012

Crônicas Universitárias (Parte VIII)

VIII
Para o futuro

 

Rio Camaquã

 


Completar vinte e cinco anos é completar uma jornada em quartos: o quarto dos pais, o quarto de infância, o quarto da juventude, o quarto de pensão, o quarto do casal. O quarto de lua, o quarto de século, um quarto de vida. A trajetória é feita, portanto, de quartos. Cada quarto tem sua característica peculiar, tem seu affaire particular. Um é aconchegante e retêm as mais puras recordações dos primeiros passos dados, outro é conturbado e confuso, outro, ainda, é sinônimo de liberdade e aventura, mas também de comprometimento e responsabilidades. O último quarto, do casal, lembra que a jornada apenas começara, e que um quarto de século é muito e ao mesmo tempo significa que faltam três ou mais partes para o gran finale.
A grande aventura, a aventura de viver, essa que cada dia mostra uma nova faceta multi-interpretável de si mesma, ensina a duras penas que o caminho é feito de dor e alegria, é feito de tentativas e erros, de escolhas e acertos.
Cheguei até este ponto, completar meu primeiro quarto de século, e isso me soa bastante, me parece uma quantidade enorme de tempo. Esperdiçado com o que? Gasto fazendo uma enormidade de inutilidades? Tentando ser reconhecido por nada? Entretanto, tudo me parecia tão promissor... Tudo que fiz tinha um sentido, uma razão, um propósito ou uma proposta de futuro melhor. E o tempo foi escoando como rio voraz. A duna de areia singrou pela aridez do quartzo e a ampulheta verteu todo seu conteúdo para um lado só. O tempo passou.
O tempo passou e insisto, nada fiz que me parecesse realmente útil, com propósito significativo ou promissor. O tempo passou e muito pouco se concretizara. O futuro almejado chegou, mas não era assim – tão vazio – que o imaginei. O futuro chegou e não é tão bonito, tão poético, tão cheio de significância quanto pensei que fosse. O futuro chegou.
O futuro chegou e me amedronta. Faz-me parecer um garotinho mimado querendo voltar pra barra da saia de minha mãe. O tempo é o monstro que saiu de baixo da cama, se escondeu no armário e perseguiu as crianças para coloca-las em seu saco sem fundo. Ele leva as crianças para um lugar sombrio e sem saída, donde o futuro as julga: boas ou más, felizes ou deprimidas, com sucesso ou falidas.
O tempo é atroz e o futuro oprime. O tempo é uma draga voraz que liquida com as más recordações, com ofensas e desamores, contudo, também se alimenta de lembranças, de momentos e vai apagando tudo da mente juvenil como uma grande borracha silenciosa: vai limpando, vai limpando, vai limpando... O futuro atormenta, é iminente, quando menos se espera irrompe o breu e nos aparece, de repente, mostrando sua face fantasmagórica, sua intolerância singular, sua insolência arrogante. Dá-nos de beber seu fel tinto e de comer, sua ambrosia azeda. O tempo é o governante tirano e o futuro, o executor impiedoso.
Entre um e outro, entre tempo que governa e futuro que executa, fico eu, sendo arrastado por ambos, ao infindo tempo que não passa e futuro que não chega. Fico eu, espremendo suco de frutos inférteis e esperando que brote esperança em ventres secos.
Um quarto de século se passou. Pouco fiz, me parece. Todavia, muito falta, é o que dizem.
Sou jovem ainda, muito tempo há para desbravar o próprio tempo e galopar num futuro esplendoroso. Domar o tirano e ceifar os braços do executor. Tornar-me-ei livre e serei único dono de meu destino desatinado, único senhor de meu futuro rebelde.

O futuro tarda e me amedronta. Faz-me parecer adolescente inconvicto de meus objetivos, tira meu sono e sua incerta chegada e sua face oculta, tanto mistério, tanto suspense suspenso em minha mente, tudo isso me toma qual pesadelo em noite sem luar. À noite choro. Não eu em si, mas a minha alma triste e desconsolada.
A minha alma se refugia num canto da sala, se encolhe em posição fetal e chupa seu dedo, apavorada. O que ela teme? O futuro.
Vivo nessa angústia, nesse “sem saber” o que é exatamente este sentimento de quartos. Vivo a me perguntar se isto é uma crise. Se é normal, em minhas reflexões, pensar que já deveria ter tomado mais atitudes positivas em minha vida e, ao mesmo tempo, que ainda sou jovem e tenho tempo para muito fazer. Bom, se for uma dessas crises existenciais que acometem o espírito de tempos em tempos, a cada certa idade, então espero que eu crie sobre a crise a cria de seu tormento: uma grande tumba sobre a qual eu e minhas ideias possam se erguer triunfantes.

Já que espero guardar este documento como declaração de meu pensamento, confuso e conturbado, na altura de meu primeiro quarto de vida, pensei em fazer uma lista das coisas que aprendi. Entretanto isto me pareceu meio perigoso, pois me falta tanto a aprender. Pensei em fazer uma retrospectiva de fatos que se passaram, contudo isto me pareceu herege e incômodo, pois afronta o passado (deixemo-lo dormir) e é tão pouco ainda que não dá um conto terminado.
Então deixo a única mensagem plausível, com alguma validade e que não necessita fundamentação alguma: paz.
Que se cultive a paz entre todos nós, seres humanos, jovens ou não. Que os próximos quartos que virão, sejam de séculos ou de estadia, sejam de paz. Sim, a paz parece-me o único caminho para a reflexão, para exterminar com qualquer crise – inclusive existencial – interior ou exterior ou extraterrestre. Porque às vezes parece que nem pertenço a este planeta.
Não pertencer traz vantagens: um bom ponto de observação, distante e indiferente, sem interferências (como aprendemos na academia, como deve ser o referencial idealmente concebido). Todavia, é tão solitário.
Solidão não é bom. E já que estamos falando de quartos, vou recolher-me ao meu. Sem antes, é claro, acalmar minha alma atormentada pelo futuro e recolher meu ego capturado pelo tempo. Vou então apreciar o momento, vou libar do sereno noturno, vou caminhar a esmo só pelo prazer de caminhar a esmo, vou zombar do tempo e debochar do futuro. Depois vou pedir perdão, me concentrar e tentar conviver com mais um quarto de luar, sem ficar cativo nem do tempo nem do futuro, pois contra estes ninguém poderá investir. Não há armadura que resista, não há coragem que os atormente, nem há fórmula que os congele.
Fico feliz se, a cada vez que alguém completar um quarto de século, resolver redigir uma mensagem de paz. Talvez isso seja significativo e possa atingir o coração de quem não a tem. Ou a nós mesmos, no futuro, se acaso a perdermos – a paz de espírito.
Já estou curioso para ver o que será daqui a meio século, quando mais um quarto tiver passado por mim, quando mais um tempo estiver me desbravando e quando outros silêncios estiverem me atormentando. Já estou curioso para perscrutar minha própria consciência, invadir meu espírito e verificar se a crise terminara; se o tempo conspirara positivamente, se o novo texto será tão confuso, metafórico e angustiado com o que há de vir, quanto este que ora desabafo.
Na verdade fica a carta para o futuro, remetida de mim mesmo para o meu próprio eu. Ficam estes reflexos meus n’água, que são reflexões de mim mesmo para o eu que existe em mim. Todavia, não o eu de agora. O destinatário será o eu do futuro, para o ser no qual me tornarei, o eu que ainda virá.
E já que são reflexos, claramente refletidos nas águas paradas, que reflitam bem as palavras, que podem ser anagramas de mim mesmo, tentando me avisar sobre a proximidade do temível futuro. Mas, reflexos se dissipam em águas turbulentas e o tempo há de bagunçar tudo, como fazem as águas turbulentas. Ele jogará todas as palavras, meticulosamente alinhadas por mim, em seu saco sem fundo e isso as amontoará randomicamente, de forma que o anagrama seja cada vez mais e mais insolúvel ao passo que o tempo for andando e passando e andando e passando...

Que assim seja. A simetria encontra seu espaço entre a casualidade. Vejamos se o próximo quarto de século será o reflexo deste último na vida de cada qual que ler estes reflexos.
Será o quarto oculto da lua espelhando a si mesma? Ou os espelhos serão derretidos no calor de décadas, feito vidro pouco espeço, escorrendo dos vitrais do tempo, tal líquido que é, permitindo que os reflexos se dissipem como águas turbulentas?





Marcius Andrei Ullmann
14 de maio de 2012

domingo, 29 de abril de 2012

Crônicas Universitárias (Parte VII)

VII


O “Malcheiroso”

malcheiro


O “malcheiroso”, já deixo claro, é um indivíduo. Um sujeito arrogante, mesquinho e metido a grande cidadão. O “malcheiroso” não possui escrúpulos, é maquiavélico, adora apontar os erros alheios e é, no mais educado vernáculo, chamado de pequenas fezes, um b... Não entendo como podem existir criaturas tão inconvenientes.
           Os “malcheirosos” se espalham por aí. Sempre estão presentes em salas de aula, em grupos de estudo, em palestras, enfim, todo evento em que é necessária uma apresentação formal. Engana-se quem pensa que eles, os “malcheirosos”, estão na plateia para absorver o conteúdo da tua palestra ou disciplina. Mas acerta quem afirma que são atentos, muito atentos.
            Preste atenção agora. Vou revelar o verdadeiro propósito dos “malcheirosos” onipresentes nos eventos acadêmicos: eles ficam camuflados entre a gente que prestigia o evento e fazem lá suas anotações. Chegada a sessão de perguntas, ou quando lhes é oportunizado fazê-las, eles sacam da sua folhinha e disparam. Não fazem questionamentos correlatos ao assunto abordado. Não tem duvidas por interesse ao tema. Eles buscam e apontam os erros gramaticais que encontram nas lâminas. Eles procuram engendrar questões intrincadas e complexas com o propósito de testar o palestrante ou professor. Eles são invejosos e querem encabular o apresentador. Eles são aborrecedores, são tais quais carangos que infestam o meio acadêmico.
Não estou de forma alguma incentivando o vernáculo indômito, a palavra incorreta, a má gramática. Estou desabafando sobre um tipo, sujeito muito incômodo, que perambula por aí exibindo sua marra especulativa, achando que é douto em todas as ciências, versado em várias literaturas e egocêntrico ao extremo.
Definitivamente, não me agradam seres com tal índole.
Mas o ser humano é confuso, não consegue educar sua racionalidade. O ser humano tem, sem dúvida, virtudes exímias, entretanto são os vícios inerentes a cada indivíduo que lhe estragam a personalidade. E a própria personalidade advém muito mais de um instinto, de uma fera interior, que de qualquer lampejo racional.
Os “malcheirosos” agem muito mais por instinto que racionalidade construtiva (aquela que nos faz questionar a natureza e a coerência dos resultados que ela nos fornece). São feras, esses “malcheirosos”, aniquiladoras do conhecimento mútuo que faz-se passar oralmente de geração em geração.
Os “malcheirosos” não são ávidos, curiosos, para desvendar mistérios da natureza. Eles querem verificar a qualificação do interlocutor; querem por a prova todos os ensinamentos que se lhes quer transmitir. Não com o nobre fim de enriquecer a experiência deles ou de seus colegas, todavia, para ridicularizar aquele que está tentando expor seu conhecimento acerca das ciências ou de como ela se aplica na investigação da natureza.
Chego à conclusão que a presença humana me incomoda. O ser humano, em sua racionalidade diáfana, acaba sucumbindo a sua própria arrogância, submetendo-se aos mandos da razão pífia que domina sua personalidade. Preferia, eu, o isolamento, a simplicidade do campo, a vida eremita. Talvez errando por alguma planície inabitada, repleta de um pampa verdejante e alguns cavalos selvagens ou contemplando as serranias cobertas de florestas virgens e cordilheiras alvas de neve. Longe de poluições, de automóveis ou qualquer tipo tecnológico, principalmente a máquina voraz de teclar: o computador.
Assim, totalmente integrado à natureza primordial, sem intervenção humana, poderia habitar uma palhoça de ramos silvestres, construída ao sopé de um monte. Dentro da qual, ao lado da lareira, nos invernos perenes desse lugar, poderia refletir em como eu me perdera dentro de mim mesmo. De como posso não encontrar mais a mim mesmo dentro do meu próprio ego. De como somos todos confusos e como sou, eu mesmo, tão complicado. Como pode tudo em mim ser tão complexo? Devera ser capricho da natureza, fazendo a mente tão complexamente intrincada quanto o resto? O resto, que nada mais é que uma carcaça que se arrasta pelo mundo, procurando a si mesmo em lugares que não se perdera?
No fim das contas, somos zumbis em busca da felicidade que nos deixou ainda em vida, tal alma que deixa o defunto. Cada um de nós é, às vezes, hipocritamente “malcheiroso”. Não flagramo-nos de nossa própria inconveniência, não admitimos nossa própria ignorância, não somos nada além de humanamente falhos em nossos atos racionais.

Nada que um bom banho de consciência não resolva.





Marcius Andrei Ullmann

20 de abril de 2012

sexta-feira, 20 de abril de 2012

Crônicas Universitárias (Parte VI)


VI


O Fazer Científico

acadêmico



Hoje quero apenas instigar a reflexão. Isso é bom, faz os neurônios do aparelhinho encefálico trabalharem um pouco. Mas não muito. Não quero me cansar depressa. Vou deixar a fadiga para a velhice – que deve chegar daqui a mais umas oito décadas.
Mas, de qualquer forma, inicio com uma provocação. Não é pra “chamar na cincha” como diz o gaúcho. É apenas uma constatação que noto cada vez mais veraz a cada dia: os centros de educação não estão cumprindo, satisfatoriamente, seu papel à sociedade, em qualquer nível de conhecimento. A base é fraca e não prepara o aluno com sólidos saberes gerais para avançar ao próximo nível. O ensino superior, bem como o mestrado e doutorado são falhos por não instigarem os estudantes ao raciocínio científico, treinam-nos para concursos. O aprumo científico, a sede de descobrir a “sensação de estranhamento”, como alguém já dissera, não é valorizada, incentivada e explorada em nossos cursos de formação acadêmica!
Os cursos de formação técnica parecem ter algum sucesso em seu propósito, mas isso deve ser reflexo do meu desconhecimento da realidade destes cursos.
Quem sou para proferir tais acusações? A que propósito me digno? Qual minha qualificação para apontar erros do sistema (falho) educacional? Pasmem. Sou apenas um cronista amador, sem propósito, além de expressar uma opinião e, quem sabe, apontar uma solução. Quanto a ser qualificado, não o sou.
Na verdade, não posso ser cronista ou poeta por falta de formação e não sou cientista por ainda não concluir os estudos. Sou, então, o fado do estado, a voz que incomoda, a consciência onisciente dos governos, o lutador sem causas aparentes, sou estudante. Logo, vivo num limbo sem grande perspectiva de sucesso imediato, afinal não posso articular muito em campos literários, pois me falta a qualificação; não posso repreender o sistema ou o método utilizado para ensinar ou fazer ciência, pois me falta o quinhão.
Mesmo assim, como todo estudante que se preze, tento fazer-me ouvir através da crônica e da poesia. Tento mostrar uma opinião, mesmo que avessa ao senso comum, para que se tomem providências e o mundo se torne um lugar mais justo e sustentável. E sustentabilidade vai além da comunhão do ser humano com a natureza, é a comunhão do ser humano com ele próprio, com suas virtudes, com sua ciência e sua consciência. Sustentabilidade é o termo, em minha opinião, que exprime a tentativa de voltar toda nossa razão e criatividade em prol de um amanhã melhor para nossos netos, em prol de um planeta habitável a outras gerações.
Entretanto, não sou qualificado para falar em como se deve ensinar ou fazer ciência, pois (vejam a contradição) não sou concursado. Pasmem outra vez: é epistemologicamente correto afirmar que o indivíduo necessita aprender a pensar, a refletir com método. O sujeito articulador da sociedade moderna precisa saber racionalizar de forma científica; criar, a partir de um estado da arte exaurido, algo novo, no limiar do conhecimento. Todavia, na prática, se não for treinado maquinalmente, não souber de cor meia dúzia de leis e hipóteses, de regras ou conhecimentos repetitivamente passados desde o primórdio da civilização informatizada, o indivíduo não passará no concurso que o habilita para falar e opinar acerca de ciência e como ela é (mal) sistematizada em nosso país.
Se você não for capaz de marcar corretamente um par de questões específicas e objetivas sobre determinado assunto, você não é douto neste assunto e perde o direito de opinar ou criticá-lo. Se existe uma forma de avaliação mais sensata? Não posso garantir. Mas a subjetividade, pelo menos, garante a capacidade de exaurir um tema através de colocações criativas.
O ser humano deve ser posto a prova, mas a prova deve constatar seu conhecimento sólido e capacidade de inovar. Enquanto o sistema não consegue enquadrar esse preceito em suas avaliações de concursos, eles são falhos e dão margem à entrada de pessoal desqualificado no sistema de ensino, que passa pelas provas objetivas com métodos, digamos, não tão ortodoxos.
Fazer ciência vai além de seguir um método. A quebra de paradigmas através de medidas inovadoras já se mostrou eficaz, a exemplo da relatividade ou mecânica quântica. A criatividade tem papel fundamental em ciência, ela abre o horizonte para tentar o inimaginado, é o guia para perscrutar um vale de escombros e retirar de lá o ultimo fragmento arquitetônico que possua simetria tal que se possa criar, a partir desse fragmento, um novo mundo de ideias, hipóteses e teorias. Fazer ciência é consolidar as novas ideias, hipóteses e teorias em algo útil à sociedade ou aplicável à própria ciência, como aumentar a precisão de medidas, por exemplo.
Contudo, enquanto o mundo novo de ideias não me vem num lampejo, sigo escrevendo crônicas e poesias, com verso branco e sem métrica, sem método e nem regras específicas, para me opor ao sensato, para fazer a diferença num mundo de iguais, para lutar por causas incompreendidas e para ser um pouco mais estudante e um pouco menos como todo mundo.





Marcius Andrei Ullmann
15 de abril de 2012

Crônicas Universitárias (Parte V)


V

Triste Verdade

 

perigo




Ouço de inúmeros colegas que, para ser Químico, o indivíduo necessita certa valentia. “Para ser Químico”, dizem eles, “é preciso honrar a camisa, pegar, cheirar e manipular sem luvas materiais carcinogênicos, corrosivos e venenosos”.
       Então, a crônica que ora escrevo é um alerta e um apelo pela maior salubridade nas atividades químicas que são, corriqueiramente, realizadas nas instituições de ensino desse país.
       Parece-me que existe certa negligência, dentro das instituições de ensino e pesquisa, ao que se refere à segurança e salubridade dentro de laboratórios químicos. Isso não é apenas reflexo do que presencio dentro da instituição à qual estou vinculado. Uma breve incursão em outros centros revela a mesma mentalidade negligente – por parte de responsáveis e alunos.
 O fato que me refiro, é tão somente á mentalidade que se instaura nos estudantes de química ao pensarem que são super-humanos, acham que não necessitam de um EPI (Equipamento de Segurança Pessoal) mínimo para atuarem. Parece que o conhecimento químico acerca de substâncias, compostos, seus riscos à saúde torna-os imunes aos malefícios de tais reagentes. Racionalidade essa, que coloca em risco a vida, não apenas do sujeito que está a manipular o composto perigoso, mas do colega ao lado que, na maioria das vezes, não é alertado do que se passa na bancada em frente!
 Também é impressionante como professores e responsáveis negligenciam os riscos dos reagentes em uso. Esquecem, eles, de alertar seus orientandos sobre os riscos específicos de determinados produtos e estes, por julgarem-se imunes à ação venenosa daquilo que manipulam, não demonstram o mínimo cuidado, através do uso de luvas ou máscaras apropriadas.
Dessa forma, parece que a química é conduzida neste país da maneira mais subdesenvolvida possível, sem esmero e cuidado pela vida, utilizando estudantes como peões para o trabalho braçal; contaminando-se, subjugando-se aos mandos de outrem que ganha pago a insalubridade por eles e, na maioria das vezes, nem passa pelos laboratórios para compartilhar do cheiro fétido e cancerígeno que emana de reações descuidadas e sem método.
O mais preocupante é que os reflexos dos venenos aspirados não se dão imediatamente, repercute através dos anos, definha o corpo lentamente e somente tempos após a exposição vingam os malefícios gerados durante a estadia em laboratórios químicos. Surge o câncer, entre outros males degenerativos ou genéticos que se podem revelar. Muitos dos antigos professores que atuaram junto ao instituto em que me encontro hoje morreram ou estão acometidos de terríveis doenças, cujas quais já citei. Nesse estágio não há mais quem culpar, o tempo passou e causas várias podem ser atribuídas ao declínio da saúde. Se a causa foram os anos respirando venenos ou solventes orgânicos, já não se pode precisar e a atividade profissional química continua tendo a mesma sínica poeticidade científica.
Muitos perigos escondem-se em laboratórios químicos1,2,3, e a cautela deve ser uma constante nesses ambientes. Assim como a desistência de manipular compostos aos quais a segurança do laboratório deixa a desejar (coisa que não ocorre na maioria das instituições de ensino).

Fica, aos estudantes de química, o apelo para que não se deixem manipular com desejos espúrios de melhorar o mundo. Quando se é jovem, ainda se alimenta muitas expectativas em relação a “querer salvar a nação”. Entretanto nenhum devaneio de patriotismo ufano deve se entrepor à saúde e profissão. Nenhum prêmio, reconhecimento ou promessa de artigo vale arriscar a própria vida. E o Brasil engatinha muito lentamente rumo ao desenvolvimento, a metodologia adotada deve ser questionada e, aliás, parece que tudo vale em termos de desenvolvimento à custa de mentes jovens e vontade de trabalhar.
Aos pais, fica o alerta para que verifiquem as condições de ensino e trabalho dos estudantes em seus projetos de pesquisa. Fica a chamada ao dever de fiscalizar os ambientes onde seus filhos são expostos aos reagentes nocivos. Cabe a vós satisfação dos órgãos de ensino.
A química, todavia, é o mal necessário da sociedade contemporânea. Entretanto não justifica descuidos banais por parte daqueles que são doutos nesta ciência, afinal, nenhuma faculdade os transforma em super-heróis.






Marcius Andrei Ullmann
Pelotas, 12 de abril de 2012


3 Apostila de segurança, muito util para estudantes: <http://www.crq4.org.br/sms/files/file/mini_seg_lab_2008.pdf>, acesso em 12/04/2012.

terça-feira, 10 de abril de 2012

Crônicas Universitárias (Parte IV)


IV

15 minutos






Pelotas, 27 de março de 2012, a 15 minutos de começar um novo idílio.

Caro Alvo,

Estou na faculdade. Faltam 15 minutos para o ônibus partir. Dentro desse tempo propus a mim que escreveria o que me desse na telha, mas não qualquer coisa. A ideia é escrever, em 15 minutos, algo diferente, inteligente e inovador.
Pode ser algo cômico ou dramático, todavia que seja algo que marque este ínfimo espaço de tempo de minha existência. Aliás, este é o ponto, este é o tema, o assunto.
Gastamos tanto tempo em nossas vidas não fazendo absolutamente nada que, ao depararmo-nos com desafio tamanho (escrever algo inédito em 15 minutos), processamos nada ou muito pouco. Nenhum lampejo, insight, ideia ou inspiração. Simplesmente o Reino de Pandora e nada mais em minha mente.
E acredito que não seja somente eu que passe por tais dificuldades; parece geral a inércia intelectual que se instaura mediante o impossível, mediante o desafio. Somos todos, todos humanamente brecados quando deparamo-nos com desafio tamanho (a vida). Nem que seja apenas por um instante, aquele instante, o instante necessário para parar, refletir, medir e formular. No fim, é por em prática o plano meticulosamente traçado segundos antes, num lampejo, insight, ideia ou momento de inspiração.
Interessante como é possível desenvolver esse ou outro qualquer raciocínio em poucos segundos de trabalho cerebral. Máquina encefálica, milhas de neurônios, interfaces sinápticas, tudo o mais interligado, funcionando como instrumento biológico, cuja força quimio-motriz é singular em sua performance simbiótica ou talvez, caiba melhor, silogística. Tudo, nesse aparato essencial – o cérebro, tudo atua concomitantemente, tudo é tão ou quase tão instantâneo quanto à velocidade de um fóton luciferino. Entretanto, minha ideia não se processa em 15 minutos. Fato: a natureza é um sofisma.
Ou ela é o próprio sofisma ou brinca conosco, com nossa humilde mente, e nós, para contento de nosso próprio âmago humano, fingimos crer que suas leis são reais. Ou deveria dizer: verdadeiras?
A essa questão, caro Alvo, não lhe poderei esclarecê-la aqui, numa humilde nota, pois os argumentos ainda são falhos, não sou douto (apenas finjo) em artes filosóficas e falta-me o empenho.
Porém, meu caro Alvo, viste como pode rumar por horizontes diversos e infindos uma simples conversa que se iniciara como desafio? E confesso-te, não consegui. Não. Falhei no intento de promulgar a ideia inovadora em 15 minutos e acabo o artigo agora à noite, após sete horas de amadurecimento, entremeado com outras atividades que não vem ao caso.
Mas sempre foste tu meu confidente, Alvo, mesmo agora que já não és feito de celulose, que tomaste forma digital e nome norte-americano. Impingiram-te este pingente ao qual chamam “cursor” e as letras lhe grafo não com pena ou esferográfica, contudo com o carimbar de teclas que hão de deixar o texto mais legível ao editor.
Pois é, querido Alvo, vou tomar um chá quentinho e deixar-te quieto para que, mais tarde, possamos conversar melhor e talvez, com tua lívida e serena tez, possas ajudar-me a criar um mundo fantástico, de contos misteriosos ou poesias cultuando as coisas e a vida, que é presente divino.


Até mais, caro Alvo.

domingo, 8 de abril de 2012

Algo assim como perdoar



Algo assim como perdoar.



Existe uma época no ano
que nos instiga a perdoar.
Inicia um tempo de reflexão.
A mente reflete sobre a vida,
a alma precisa do perdão.
Melhor que guardar antigos remorsos
é procurar a reconciliação.
Buscar reforços,
e na força de vontade de cada um acreditar,
acreditar que há novos começos,
recomeços e finais felizes.
Apesar da vida ser um ciclo.
Um ciclo ininterrupto,
às vezes tudo da certo,
às vezes não.
Às vezes os dias demoram a passar,
às vezes passam tão depressa...
Ao ver o sol, ele já está se pondo.
Por vezes o ciclo é interrompido,
interrompido por uma briga, pela inveja, pelo desamor.
Mas o que adianta um elo quebrado,
um coração mal amado,
um bom rei despojado?
Portanto, por que não perdoar?
Por que guardar rancor?
Por que não pedir perdão?
Qual o motivo do orgulho?
Com certeza uma amizade vale mais
que o orgulho e a raiva de uma inimizade.
Então, o que há de errado em perdoar
ou pedir perdão?
O que há de errado em sentir-se bem
consigo e com os outros?
Por que não libertar a consciência?
Por que não tirar o peso que a atormenta?
Reflita,
existe uma época do ano que nos possibilita
parar para pensar!
Pense,
não há nada mais gratificante do que ser perdoado...
Ou melhor, há sim,
há algo assim como perdoar.



                                               Marcius Andrei Ullmann
09 de fevereiro de 2005.




     Páscoa



Na Páscoa experimentamos um renascimento em nós mesmos. Algo que vibra e faz-nos carecer do próximo. Esta é a Páscoa verdadeira. Páscoa da alma, que neste tempo de perdão cativa a todos, pois é a alegria de um novo recomeço, de fé e de esperança num amanhã melhor em todos os sentidos!

Que seja a Páscoa de todos os amigos e leitores uma benção e um momento de reflexão. Que seja a Páscoa este momento divino de silêncio e perdão. Enfim, que seja a Páscoa de fé e renovação.
A todos um grande abraço e Feliz Páscoa.

Marcius A. Ullmann
08/04/2012

domingo, 1 de abril de 2012

Anti-Soneto da Vingança



Anti-Soneto da Vingança



Como rio ou riso caudaloso,
o líquido gélido, cáustico ou sem gosto
corre em teu corpo venenoso.
E eu a contemplar teu medo, rosto.



Agora vês o que fizeste?
Com teu verso, tom infindo,
com teu sínico riso agreste,
ocultaste meu desespero rindo!



Agora que sorveste da taça,
provaste do veneno que mata,
não há mais quem acuda ou faça



de ti dama ou prostituta de raça,
és cobra sem toca nem casta.
És morta como lixo, não caça!

Marcius Andrei Ullmann
Pelotas, 19 de março de 2011
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