Pesquisar este blog

quinta-feira, 31 de maio de 2012

Crônicas Universitárias (Parte VIII)

VIII
Para o futuro

 

Rio Camaquã

 


Completar vinte e cinco anos é completar uma jornada em quartos: o quarto dos pais, o quarto de infância, o quarto da juventude, o quarto de pensão, o quarto do casal. O quarto de lua, o quarto de século, um quarto de vida. A trajetória é feita, portanto, de quartos. Cada quarto tem sua característica peculiar, tem seu affaire particular. Um é aconchegante e retêm as mais puras recordações dos primeiros passos dados, outro é conturbado e confuso, outro, ainda, é sinônimo de liberdade e aventura, mas também de comprometimento e responsabilidades. O último quarto, do casal, lembra que a jornada apenas começara, e que um quarto de século é muito e ao mesmo tempo significa que faltam três ou mais partes para o gran finale.
A grande aventura, a aventura de viver, essa que cada dia mostra uma nova faceta multi-interpretável de si mesma, ensina a duras penas que o caminho é feito de dor e alegria, é feito de tentativas e erros, de escolhas e acertos.
Cheguei até este ponto, completar meu primeiro quarto de século, e isso me soa bastante, me parece uma quantidade enorme de tempo. Esperdiçado com o que? Gasto fazendo uma enormidade de inutilidades? Tentando ser reconhecido por nada? Entretanto, tudo me parecia tão promissor... Tudo que fiz tinha um sentido, uma razão, um propósito ou uma proposta de futuro melhor. E o tempo foi escoando como rio voraz. A duna de areia singrou pela aridez do quartzo e a ampulheta verteu todo seu conteúdo para um lado só. O tempo passou.
O tempo passou e insisto, nada fiz que me parecesse realmente útil, com propósito significativo ou promissor. O tempo passou e muito pouco se concretizara. O futuro almejado chegou, mas não era assim – tão vazio – que o imaginei. O futuro chegou e não é tão bonito, tão poético, tão cheio de significância quanto pensei que fosse. O futuro chegou.
O futuro chegou e me amedronta. Faz-me parecer um garotinho mimado querendo voltar pra barra da saia de minha mãe. O tempo é o monstro que saiu de baixo da cama, se escondeu no armário e perseguiu as crianças para coloca-las em seu saco sem fundo. Ele leva as crianças para um lugar sombrio e sem saída, donde o futuro as julga: boas ou más, felizes ou deprimidas, com sucesso ou falidas.
O tempo é atroz e o futuro oprime. O tempo é uma draga voraz que liquida com as más recordações, com ofensas e desamores, contudo, também se alimenta de lembranças, de momentos e vai apagando tudo da mente juvenil como uma grande borracha silenciosa: vai limpando, vai limpando, vai limpando... O futuro atormenta, é iminente, quando menos se espera irrompe o breu e nos aparece, de repente, mostrando sua face fantasmagórica, sua intolerância singular, sua insolência arrogante. Dá-nos de beber seu fel tinto e de comer, sua ambrosia azeda. O tempo é o governante tirano e o futuro, o executor impiedoso.
Entre um e outro, entre tempo que governa e futuro que executa, fico eu, sendo arrastado por ambos, ao infindo tempo que não passa e futuro que não chega. Fico eu, espremendo suco de frutos inférteis e esperando que brote esperança em ventres secos.
Um quarto de século se passou. Pouco fiz, me parece. Todavia, muito falta, é o que dizem.
Sou jovem ainda, muito tempo há para desbravar o próprio tempo e galopar num futuro esplendoroso. Domar o tirano e ceifar os braços do executor. Tornar-me-ei livre e serei único dono de meu destino desatinado, único senhor de meu futuro rebelde.

O futuro tarda e me amedronta. Faz-me parecer adolescente inconvicto de meus objetivos, tira meu sono e sua incerta chegada e sua face oculta, tanto mistério, tanto suspense suspenso em minha mente, tudo isso me toma qual pesadelo em noite sem luar. À noite choro. Não eu em si, mas a minha alma triste e desconsolada.
A minha alma se refugia num canto da sala, se encolhe em posição fetal e chupa seu dedo, apavorada. O que ela teme? O futuro.
Vivo nessa angústia, nesse “sem saber” o que é exatamente este sentimento de quartos. Vivo a me perguntar se isto é uma crise. Se é normal, em minhas reflexões, pensar que já deveria ter tomado mais atitudes positivas em minha vida e, ao mesmo tempo, que ainda sou jovem e tenho tempo para muito fazer. Bom, se for uma dessas crises existenciais que acometem o espírito de tempos em tempos, a cada certa idade, então espero que eu crie sobre a crise a cria de seu tormento: uma grande tumba sobre a qual eu e minhas ideias possam se erguer triunfantes.

Já que espero guardar este documento como declaração de meu pensamento, confuso e conturbado, na altura de meu primeiro quarto de vida, pensei em fazer uma lista das coisas que aprendi. Entretanto isto me pareceu meio perigoso, pois me falta tanto a aprender. Pensei em fazer uma retrospectiva de fatos que se passaram, contudo isto me pareceu herege e incômodo, pois afronta o passado (deixemo-lo dormir) e é tão pouco ainda que não dá um conto terminado.
Então deixo a única mensagem plausível, com alguma validade e que não necessita fundamentação alguma: paz.
Que se cultive a paz entre todos nós, seres humanos, jovens ou não. Que os próximos quartos que virão, sejam de séculos ou de estadia, sejam de paz. Sim, a paz parece-me o único caminho para a reflexão, para exterminar com qualquer crise – inclusive existencial – interior ou exterior ou extraterrestre. Porque às vezes parece que nem pertenço a este planeta.
Não pertencer traz vantagens: um bom ponto de observação, distante e indiferente, sem interferências (como aprendemos na academia, como deve ser o referencial idealmente concebido). Todavia, é tão solitário.
Solidão não é bom. E já que estamos falando de quartos, vou recolher-me ao meu. Sem antes, é claro, acalmar minha alma atormentada pelo futuro e recolher meu ego capturado pelo tempo. Vou então apreciar o momento, vou libar do sereno noturno, vou caminhar a esmo só pelo prazer de caminhar a esmo, vou zombar do tempo e debochar do futuro. Depois vou pedir perdão, me concentrar e tentar conviver com mais um quarto de luar, sem ficar cativo nem do tempo nem do futuro, pois contra estes ninguém poderá investir. Não há armadura que resista, não há coragem que os atormente, nem há fórmula que os congele.
Fico feliz se, a cada vez que alguém completar um quarto de século, resolver redigir uma mensagem de paz. Talvez isso seja significativo e possa atingir o coração de quem não a tem. Ou a nós mesmos, no futuro, se acaso a perdermos – a paz de espírito.
Já estou curioso para ver o que será daqui a meio século, quando mais um quarto tiver passado por mim, quando mais um tempo estiver me desbravando e quando outros silêncios estiverem me atormentando. Já estou curioso para perscrutar minha própria consciência, invadir meu espírito e verificar se a crise terminara; se o tempo conspirara positivamente, se o novo texto será tão confuso, metafórico e angustiado com o que há de vir, quanto este que ora desabafo.
Na verdade fica a carta para o futuro, remetida de mim mesmo para o meu próprio eu. Ficam estes reflexos meus n’água, que são reflexões de mim mesmo para o eu que existe em mim. Todavia, não o eu de agora. O destinatário será o eu do futuro, para o ser no qual me tornarei, o eu que ainda virá.
E já que são reflexos, claramente refletidos nas águas paradas, que reflitam bem as palavras, que podem ser anagramas de mim mesmo, tentando me avisar sobre a proximidade do temível futuro. Mas, reflexos se dissipam em águas turbulentas e o tempo há de bagunçar tudo, como fazem as águas turbulentas. Ele jogará todas as palavras, meticulosamente alinhadas por mim, em seu saco sem fundo e isso as amontoará randomicamente, de forma que o anagrama seja cada vez mais e mais insolúvel ao passo que o tempo for andando e passando e andando e passando...

Que assim seja. A simetria encontra seu espaço entre a casualidade. Vejamos se o próximo quarto de século será o reflexo deste último na vida de cada qual que ler estes reflexos.
Será o quarto oculto da lua espelhando a si mesma? Ou os espelhos serão derretidos no calor de décadas, feito vidro pouco espeço, escorrendo dos vitrais do tempo, tal líquido que é, permitindo que os reflexos se dissipem como águas turbulentas?





Marcius Andrei Ullmann
14 de maio de 2012

4 comentários:

  1. Olá a todos que lerem este post. Gostaria de esclarecer que esta crônica é dedicada ao meu 25º aniversário, neste mês de maio.
    Gostaria de convidar a todos que o lerem a comentar e mais, gostaria de saber sua opinião: ao completar 25 anos você também se sentia meio confuso e perdido, sem saber o que quer exatamente? Com sensação de existir uma adolescência reprimida? Será que pode haver isso - adolescência reprimida?
    Entrem, comentem!

    ResponderExcluir
  2. Bah...parabéns!!!
    Escreveu oq tinha pra escrever... não que eu quisesse ouvir isso, mas caiu muito bem aos meus 25!
    A referência que tu fizestes dos quartos de dormir...fizeram muito sentido, e deveriam fazer todo o sentido pra todos. Pena que nem todos seguem esse rumo... Pulam ou talvez desprezem parte dele
    Mas o q tu oq tu falastes sobre paz, a mensagem de paz, me faz pensar que nas minhas musicas por escrever...espero q que a tua mensagem sirva de inspiração!
    Abraço, muito bom ler teu texto!!!

    ResponderExcluir
  3. “IX CONCURSO PLÍNIO MOTTA DE POESIAS”

    A Academia Machadense de Letras (Machado-MG / Brasil) comunica a realização em novembro de 2013 de seu IX Concurso de Poesias. Para receber gratuitamente o regulamento em arquivo PDF, entre outras informações, favor entrar em contato através do e-mail: machadocultural@gmail.com

    Obs (PS): O tema é livre.

    ResponderExcluir
  4. REGULAMENTO DO “IX CONCURSO PLÍNIO MOTTA DE POESIAS”

    A Academia Machadense de Letras (Machado-MG / Brasil) comunica a realização em novembro de 2013 de seu IX Concurso de Poesias. As inscrições encerram-se no dia 14 de outubro (2013). O tema é livre. A taxa de R$5,00 pode ser enviada no primeiro envelope juntamente com as 06 cópias da poesia concorrente.
    Para receber gratuitamente o regulamento em arquivo PDF, entre outras informações, favor entrar em contato através do e-mail: machadocultural@gmail.com ou pelo telefone (35) 8833-9255 a/c Carlos.

    ResponderExcluir

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...